Pauta de Investimentos Internacionais: Como a crise atual pode acelerar a transição para energias renováveis?

2 de abril, 2020

Se a crise de 2008 deixou de legado uma série de reformas no setor financeiro, a crise de 2020 poderá entrar para a história como um ponto de inflexão na matriz energética mundial.

Com a adoção de fortes medidas de distanciamento social ao redor do mundo, a crise atual é marcada por uma queda brusca da atividade econômica, que fez a demanda por energia colapsar. O setor de transportes, por exemplo, é um dos que mais vem sofrendo desde o início das paralisações: o tráfego aéreo global caiu mais de 40%, os congestionamentos desapareceram das grandes cidades, navios e trens de carga e passageiros foram sendo encostados, etc.

A queda na demanda mundial por energia vem fazendo os preços dos combustíveis despencar. O petróleo, por exemplo, passa por um choque de demanda acompanhado por um forte choque de oferta: no meio da crise, Sauditas e Russos entraram em franca guerra de preço. Não à toa, o preço do petróleo caiu de 60 dólares por barril, no começo do ano, para algo próximo de $20, hoje.

Em condições normais, o petróleo barato se ajusta com os próprios produtores, normalmente representados pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), cortando produção e com os consumidores aproveitando os preços baixos para consumir mais. Desta vez, porém, com a dificuldade do mundo de voltar a crescer em patamares suficientes, com a falta de coordenação entre os principais produtores, e com a percepção de que a indústria de combustíveis fósseis está em declínio terminal, as perspectivas do setor ficaram bastante desafiadoras.

Novos projetos das indústrias “sujas” devem encontrar muitas dificuldades de levantar recursos com bancos e investidores daqui para a frente, o que deve disponibilizar capital para projetos de energias renováveis. Estes projetos, apesar de também sofrerem com o enfraquecimento do mercado consumidor e serem menos rentáveis, são atrativos pela maior previsibilidade de renda e por serem considerados tecnologias vencedoras no longo prazo.

Ao mesmo tempo, a crise do COVID-19 fez com que governos do mundo todo anunciassem trilhões de dólares em expansão fiscal, que podem ser direcionados em partes para atingir objetivos de sustentabilidade. Com tanto dinheiro público sendo investido ao mesmo tempo, a decisão de quais indústrias receberão os grandes cheques torna-se uma questão política e a opinião pública deve pesar muito.

Regiões onde as indústrias pesadas são empregadoras relevantes devem receber pressão popular para ajudá-las, mas esta deve ser a exceção. Via de regra, a indústria pesada tem perdido cada vez mais relevância na economia mundial e a conscientização com relação ao meio ambiente vem ganhando muita força, o que deve fazer os investimentos públicos seguirem nesta direção.

As crises costumam acelerar tendências que já estavam ocorrendo de qualquer forma. Assim como o Home Office já vinha crescendo independente da crise, essa situação foi uma catalisadora na sua adoção. Na energia não é diferente, o mundo já vinha de qualquer forma investindo cada vez mais em fontes renováveis, baterias, carros elétricos e afins, e este empurrãozinho pode vir a calhar.