E se eu morrer? Se??? (Parte 1)

14 de novembro, 2019

Por Ilan Ryfer

De vez em quando me deparo com algum cliente questionando como se preparar para se ele morrer. Nessa hora, meu excesso de sinceridade (conhecido no escritório por “sincericídio”) é automaticamente ativado e me sinto compelido a corrigir dizendo: “A questão não é SE, mas QUANDO!”. Infelizmente nosso eventual falecimento não é uma questão condicional, mas temporal. Todos gostaríamos de viver para sempre e a grande maioria não gosta de discutir o assunto, mas dentro do planejamento financeiro familiar, esse é um dos temas mais importantes. Tão importante e abrangente que terei de dividir o texto em três partes, abrangendo as duas principais formas de se preparar para esse inevitável momento da vida.

A preparação para o falecimento envolve três aspectos fundamentais do planejamento financeiro: o binômio risco/retorno, sucessão e tributação. Existe ainda um quarto aspecto geralmente esquecido quando investimos: liquidez. A decisão mais simples a respeito da preparação para o fim é não pensar no assunto e “deixar o barco correr”. Nesse caso, fazemos a gestão do portfólio sem nos preocuparmos com sucessão, tributação e a liquidez dos investimentos na transferência para os herdeiros. No caso de falecimento do detentor dos ativos, estes passarão pelo processo de inventário, com as devidas custas, e serão transmitidas aos herdeiros legais depois de estimados 6-12 meses, nos casos simples onde não há discussão entre herdeiros, até nunca, nos casos onde há briga. Além de mais custoso e demorado, o processo de inventário incorre em ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação) e pode não resultar na divisão que o falecido gostaria de ter feito. A única recomendação nesse caso é o detentor dos ativos escrever um testamento para tentar evitar brigas, acelerar o processo e fazer a divisão como achar melhor, dentro das limitações da lei.

Vencida a barreira de pensar sobre sua própria morte, hoje em dia existem opções muito melhores de planejamento que simplesmente deixar o “barco correr”. Iremos nesse texto e nos dois próximos discutir as duas opções mais simples e acessíveis à grande maioria dos investidores brasileiros: previdência e seguro de vida. Além desses dois, existem outras formas de planejamento, mais caras e sofisticadas, mas com vantagens adicionais, como fundos exclusivos, investimentos internacionais e holdings familiares, mas que não cabem no escopo desse texto. Portanto, iremos nos focar somente em previdência e seguro de vida, duas excelentes opções de planejamento fiscal e sucessório que, além de amplamente disponíveis, são eficientes.

Começando pelo assunto previdência privada (não confundir com a previdência pública), esse é um tema que carrega muito preconceito e informação errada. A memória geral dos investidores a respeito do tema remonta ao início dos anos 2000, quando a gama de opções de fundos de previdência privada era pequena, geralmente gerida por grandes instituições bancárias, que cobravam taxas extorsivas e rendiam pouco. Eram produtos que os gerentes de banco adoravam (e até hoje adoram) enfiar nos clientes, dadas as altas taxas de administração. Por isso ganharam a má fama que carregam até hoje.

Só que o mercado de fundos de previdência privada ganhou um arcabouço jurídico totalmente novo nos últimos 5-10 anos, com a modernização das regras de investimentos que aumentaram o escopo de investimentos possibilitando um maior retorno potencial, hoje igual ao de fundos tradicionais não-previdência. E algumas seguradoras e instituições financeiras farejaram esses ares de mudança e começaram a incentivar a criação de novos fundos de previdência, com taxas significativamente mais baixas e retornos equivalentes aos dos fundos tradicionais. Houve um verdadeiro “boom” de novas opções de investimento, algumas geridas por casas muito conhecidas e outras por novos gestores. Fundo de renda fixa, ações, multimercados, estratégias diversas, possibilitando portfólios diversificados inteiramente dentro do universo previdência. E com custos e rentabilidade equivalentes a fundos não-previdência.

Felizmente as duas maiores vantagens que os fundos de previdência sempre tiveram – a menor tributação e a sucessão simplificada – se mantiverem intactas no novo arcabouço jurídico, que ampliou o escopo de investimentos. Fundos de previdência contam com uma tabela diferenciada de imposto, possibilitando a redução imediata da carga tributária ou a postergação do pagamento de imposto sobre rentabilidade, e com alíquotas mais baixas. Além disso, no falecimento do titular, não existe a transferência das cotas do fundo para o inventário, mas sim a migração dos recursos diretamente para a conta dos beneficiários designados. Ou seja, hoje em dia temos a possibilidade de investir em fundos rentáveis, com baixas taxas, menor tributação e transmissão aos herdeiros quase imediata. Acho que terei de rever meu texto sobre almoço grátis….

Óbvio que, como dizia um velho provérbio, “o diabo está nos detalhes”. Mas como já me estendi em demasia nesse texto, deixaremos a explicação desses detalhes para a segunda parte. Mas já adianto que está mais para um pequeno diabrete que para o demônio em si.